Thursday, December 4, 2008

Valsa-marcha Progressista.

Tempos de silêncio
são tempos para o pensamento
são tempos pós queimada nos campos,
quando só se resta em volta a lembrança
e a fumaça.
Quando o fogo morre e a fumaça se esvai e as cinzas voam...

...levanta-se o casarão do senhorio;
...faz-se a casa da servidão;
...cresce uma olaria, e do lado da olaria, uma plantação, e do lado da plantação, uma moenda;
...e na frente da casa, há um jardim com uma fonte e árvores e flores exóticas;
...e isso tudo se desfaz, de súbito,
de mau súbito.
------Uma doença que atinge em cheio o barão, a mão fortee da família padece, a família empobrece e perde suas terras para a criadagem, que agora também são donos de suas terras, donos de suas próprias mãos, de seus próprios pés.------
E então a terra se desfaz, e então a terra já não coopera mais,
e resolve ser vendida,
e toda construção é demolida, posta abaixo, todo o jardim é arrancado e também foi a fonte.

E vem então o progresso, esse ser cosmopolita, arlequinal,
o primeiro Mário de Andrade.
E põe-se em forma de prédio no meio do nada,
e põe-se em forma de indústria ao lado do prédio,
e divide-se na forma de funcionários-da-indústria-moradores da vila-dos-trabalhadores e
donos-da-indústria-moradores-do-prédio, sim, porque
havia uma vila atrás da fábrica
que virou duas
e três
e quatro
e quarenta
e cinqüenta
e quinhentas fábricas de todos os tipos:
fábricas de fumaça, fábricas de água suja, fábricas de trabalhadores, fábricas voltadas para o comércio de todo tipo,
que ocupavam centenas de milhares de trabalhadores sindicalizados uniformizados
mais ou menos o dobro de centenas de milhares de mãos
que ganhavam mal
que trabalhavam, suas mais ou menos centenas de milhares de mãos duas vezes ocupadas para alimentar seus filhos e suas famílias
e pagar o sindicato
e superalimentar o filho do burguês dono da fábrica e a família dele
e que não tolerava sindicatos. Assim que todas as árvores foram cortadas desse corpo venal abarrotado de costelas e outros ossos e infestado de bactérias chamado progresso
------------------------------------------------------------- chamado Tom Zé
*****************************************************chamado cidade,
onde quer que fosse.

E esses trabalhadores, reunidos num sindicato fizeram a paralisação
para parar de alimentar o filho gordo do burguês
a esposa gorda do burguês
o cão obeso e burguês
enquanto não pudessem alimentar dignamente seus filhos.
E após batalhas sangrentas com a polícia, o arlequim sem uniforme sem humor
conseguiu-se o aumento.
E lá foi o proletariado às compras.
Comprou arroz
comprou feijão
comprou carne
comprou milho
comprou pão todo dia de manhã fresquinho
comprou escola
comprou documentação
comprou
comprou
e comprou.
E comprou também um livro.
E quando ele leu o livro, ele se viu no livro,
no finalzinho, onde dizia
o sobrenome do burguês-patrão
que dava o nome à fábrica em que trabalhava,
mas que o filho, não,
o filho não trabalharia.

E então entendeu
entendeu a história daquele livro
entendeu o sumiço de todas as árvores,
entendeu o crescimento daquelas fábricas
e o porquê de toda aquela poluição.
Entendeu o antes:
os senhores, os servos, a fonte, o jardim, a moenda e a olaria.
Entendeu que não tinha mudado nada
e que o nome dessa não mudança era Progresso.
Sentou na porta do livreiro e chorou
lágrimas cinza.

Rafael Lemos. 04-12-'08

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